quinta-feira, 11 de abril de 2019

ESTÁ NA HORA DESSA GENTE BRONZEADA RESGATAR SUA IDENTIDADE

Christina Fontenelle
11 de abril de 2018

Essa é a história do povo indomável que construiu a identidade da nação brasileira. Nação sobre a qual poucos conhecem, não somente a própria História, como também as origens antropológicas que lhes produziram um DNA identitário. Sem o conhecimento da constituição própria do sangue que lhes corre nas veias e dos instintos herdados, os brasileiros perdem-se nas estórias que lhes contam sobre sua própria identidade e não conseguem identificar os ‘porquês’ da construção de sua História, da qual é preciso ressaltar pontos marcantes, para que o país encontre-se outra vez consigo mesmo.

O processo da primeira ocupação desta terra – que, sim, forjou nossas raízes antropológicas – durou mais de 300 anos, de 1500 até o início dos anos 1800. É o que conhecemos como período colonial, mas que, na verdade, trata do Estado do Brasil. Depois disso, veio o Reino do Brasil, quando a coroa portuguesa veio habitar nessas terras, a partir de 1808, permanecendo até 1821, quando da volta de Dom João sexto a Portugal, seguida pela independência proclamada em 1822 pelo herdeiro do trono, Dom Pedro I. Como monarquia bem peculiar, permanecemos até 1889, quando foi proclamada a República. Contra mais de 300 anos de Estado do Brasil, o Reino do Brasil durou menos de um século. Bem resumidamente, esta foi a sequência histórica que forjou a República Federativa do Brasil bem como nosso DNA antropológico, nossa identidade.

Os povoados foram se formando pelo território que hoje conhecemos como o do Brasil por donos de capitanias hereditárias, índios aliados (que guerreavam contra outros índios), padres católicos catequizadores, terras agricultáveis e criações de gado. A colonização portuguesa mantinha a terra, a catequese católica e a língua portuguesa em todo o território. Tudo regado a muito sangue, suor, lágrimas e determinação. A miscigenação foi a marca da formação de nosso povo. Quando a coroa portuguesa aqui chegou, portanto, já existia um povo, um jeito de viver, um embrião bem sólido de nação. Indomável, porque forjada com lutas e acordos, vitórias e derrotas. Em cada um dos povoados, guerreiros voluntários protegiam as terras, seus frutos e filhos.

Duzentos anos antes da coroa por aqui aportar, portugueses, negros, índios e mestiços já lutavam como embrião do que veio a ser o exército brasileiro, na sequência da Guerra da Restauração do Império Português, cujas batalhas dos Guararapes, aqui no Brasil, em Pernambuco - considerado o episódio marcante da Insurreição Pernambucana - puseram fim às invasões holandesas do Brasil. Destacaram-se os generais Fernandes Vieira e Vidal de Negreiros, bem como o negro Henrique Dias e o índio Felipe Camarão. Ou seja, nas nossas raízes estão a miscigenação e o povo guerreiro que constitui seu próprio exército. São os representantes do próprio povo, das famílias, que formaram homens para defender com armas, suas terras, suas origens, seu futuro – o que trouxe a proximidade hierárquica entre todos os membros sociais.   

A corte portuguesa veio para o Brasil em 1808. No período regencial que antecede a esta mudança da corte, D. Maria I, rainha de Portugal e mãe do Dom João VI, nos primeiros anos de seu reinado, promovera um retorno parcial à uma ordem anterior ao reinado de seu pai, cujo governo fora dominado pela figura do Marquês de Pombal. Influenciado pelo Iluminismo e adepto da política do despotismo esclarecido, Pombal organizou uma grande reestruturação econômica, social e cultural no reino, numa sociedade ainda fortemente enraizada no feudalismo e pesadamente influenciada pela Igreja. Sua atuação laicizante, centralizadora e enérgica abalou o poderio da nobreza e do clero, e, por isso, causava muitos ressentimentos. Maria I, que detestava os métodos de Pombal, procurou reverter essa situação, ainda que tenha mantido muitas das iniciativas e políticas de Pombal, que haviam se revelado progressistas e frutíferas, e que foram entendidas como indispensáveis para a preservação não apenas do crescimento e da modernização portuguesa, mas também da própria monarquia. Ou seja, o tal do positivismo trazia o desenvolvimento industrial e tecnológico. Fez parte de uma era inteira da civilização como um todo.

Essa orientação mais liberal e iluminista foi mantida quando D. João assumiu o governo, auxiliado por um grupo de influentes políticos, cientistas, letrados e intelectuais reunidos na Academia de Ciências de Lisboa e na Universidade de Coimbra, que produziram uma série de estudos a fim de diagnosticar os problemas que afligiam o reino português e suas colônias, oferecendo soluções práticas, desde que, em relação às colônias, as mantivessem como fornecedoras de matérias-primas e de outras riquezas naturais para o abastecimento de Portugal.

É bom lembrar aqui o que acontecia na Europa, que diz respeito ao tal do positivismo que monarquistas de hoje, no Brasil, bem como alguns formadores de opinião, atribuem aos militares brasileiros, desde sua remota formação, quando essa filosofia já ardia na Europa e por aqui foi introduzida pela própria monarquia. São verdades sempre contadas pela metade. Só a parte que convém aos que pretendem reescrever a História através de seus próprios olhos, como se a verdade fosse. Exatamente como faz a esquerda, como faz o espírito revolucionário.

Auguste Comte, que fora secretário do filósofo francês Claude Saint-Simon - um dos chamados socialistas românticos -, para designar o método científico e a possibilidade de sua extensão à filosofia, teve grande expressão no mundo ocidental durante a segunda metade do século dezenove. O positivismo acompanhou e estimulou a organização técnico-industrial da sociedade moderna fazendo-a desenvolver-se e consolidar-se. Portanto, o cientificismo anticlerical espalhava-se por todo o ocidente, desde o Iluminismo, pretendendo estabelecer-se como a nova religião da humanidade. De acordo com os positivistas, somente se poderia afirmar que uma teoria fosse correta se ela fosse comprovada através de métodos científicos válidos, não considerando os conhecimentos ligados a crenças, superstição ou qualquer outro que não pudesse ser comprovado cientificamente.

Então, vamos reforçar aqui. Duzentos anos antes do positivismo vir parar por essas bandas, trazido com a vinda da corte para o Brasil, já existia aqui um povo, forjado na miscigenação, na pouca diferença hierárquica social prática entre os membros de cada povoado, na fé católica. E um exército formado por líderes, empregados, filhos e pais, de cada povoado. O exército era o povo. Esse é o nosso DNA. Nenhum positivismo que viesse 300 anos depois seria capaz de transformar esse povo, esse exército embrionário, em ateu cientificista, muito menos em domável e alegre súdito de qualquer monarquia que fosse.

No fim de 1806 a situação internacional se aproximava de um ponto crítico. A França decretara o Bloqueio Continental, pretendendo isolar a Inglaterra dos seus aliados e romper sua rede comercial. Ao mesmo tempo, a invasão do Reino de Portugal e a deposição do seu monarca pareciam iminentes. Na época, uma defesa armada era considerada inútil, diante da força do inimigo. D. João, acompanhado de toda a família real e grande séquito de nobres, funcionários de Estado e criados, bem como volumosa bagagem onde se incluía valioso acervo de arte, os arquivos de Estado e o tesouro real, partiu para o Brasil. O número de pessoas embarcadas é muito controverso, mas a esquadra de quinze embarcações, de fato só poderia ter levado de doze a quinze mil pessoas. Estabelecendo no Brasil a sede da monarquia, o regente aboliu o regime de colônia em que o país até então vivera. Todos os caracteres de tal regime desaparecem. São abolidas, uma a uma, as velhas engrenagens da administração e substituídas por outras já de uma nação soberana. Caem as restrições econômicas e passam para um primeiro plano das cogitações políticas do governo os interesses do país. Não porque a coroa por aqui se apaixonasse, mas porque, a partir daquele momento, a coroa mesma era aqui.

As estimativas quanto ao número de indígenas que existiam no Brasil à época do descobrimento giram em torno dos 3 milhões. Desembarcaram, no litoral brasileiro até o fim do Brasil Colônia, em 1822, entre 500 e 700 mil lusitanos. Até à extinção do tráfico negreiro, em 1850, entre 4 e 5 milhões de africanos foram trazidos ao Brasil na condição de escravos. Os primeiros grupos de imigrantes não lusos e não africanos chegaram ao Brasil, de forma organizada, somente depois da vinda da família real para o país, com a abertura dos portos em 1808. Naquele ano, os primeiros imigrantes voluntários a virem para o Brasil foram 300 chineses de Macau, que chegaram ao Rio de Janeiro, com o objetivo de introduzir o cultivo de chá no Brasil.

No século XIX, teve início a imigração de outros povos europeus para o Brasil, em particular da Itália, rivalizando numericamente com os portugueses, seguidos por fluxos de espanhóis e de alemães. No início do século XX, intensificou-se o fluxo migratório oriundo da Ásia, particularmente de japoneses e de sírio-libaneses. Entre 1820 e 1975 o Brasil recebeu 5.674.569. Ou seja, o país embebeu-se de cultura vinda da Europa e da Ásia, ajudando a construir a identidade nacional, ainda que a raiz antropológica da nação brasileira já estivesse estabelecida havia mais de 300 anos.

Os militares “positivistas desde à sua origem”, como pregam erradamente hoje alguns formadores de opinião, proclamaram a república, dando um golpe de estado? Não! Como os fatos bem descrevem, muitos setores da sociedade estavam insatisfeitos com o império. E, como já vimos, as Forças Armadas são essa própria sociedade desde sua origem. A proclamação do regime republicano brasileiro aconteceu em decorrência da crise do poder imperial, da ascensão de novas correntes de pensamento político e de interesses de determinados grupos sociais com os quais Dom Pedro II não conseguia lidar como mediador. A questão da escravidão era um dos maiores campos dessa tensão político-ideológica. Os fazendeiros da oligarquia nordestina e sulista faziam oposição ao fim da escravidão e, no máximo, admitiam-na com a concessão de indenizações do governo. Ou seja, com a aprovação da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, em 1888, estes setores começaram a ver a monarquia como um regime incapaz de atender aos seus interesses. Já os cafeicultores do Oeste Paulista apoiavam a implementação da mão-de-obra assalariada no Brasil. Os intelectuais, militares e os órgãos de imprensa defendiam a abolição como uma necessidade primordial dentro do processo de modernização socioeconômica do país. É nesse contexto que as ideias republicanas ganham espaço, em TODA A SOCIEDADE, enquanto acontecia a perda das bases políticas que apoiavam Dom Pedro II.

A Igreja, setor de grande influência ideológica, devido à crise nas relações entre os clérigos e Dom Pedro II também passou a engrossar a fila daqueles que maldiziam o poder imperial. Naquela época, de acordo com a constituição do país, a Igreja era subordinada ao Estado por meio do regime de padroado, no qual o imperador tinha o poder de nomear padres, bispos e cardeais. Mas, em 1864, o Vaticano resolveu proibir a existência de párocos ligados à maçonaria, o que Dom Pedro II, que era maçom, desobedeceu. Ao mesmo tempo, com a vitória na Guerra do Paraguai, o oficialato alcançara prestígio e muitos jovens de classes médias e populares passaram a ingressar no Exército. Portanto, como já foi descrito acima, as instituições militares dessa época também foram influenciadas pelo pensamento positivista, que defendia a “ordem” como caminho indispensável para o “progresso”. Desta forma, os oficiais – que já se julgavam uma classe desprestigiada pelo poder imperial – compreendiam que o rigor e a organização dos militares poderiam ser úteis na resolução dos problemas do país. Os militares, então, também passaram a se opor ferrenhamente a Dom Pedro II.

O último gabinete ministerial do Império, o “Gabinete Ouro Preto”, sob a chefia do Senador pelo Partido Liberal, Visconde do Ouro Preto, assim que assume em junho de 1889 propõe um programa de governo com reformas profundas no centralismo do governo imperial, na tentativa de reduzir a oposição à monarquia, cada vez maior: liberdade de culto, autonomia para as províncias, temporariedade do Senado, liberdade de ensino, redução das prerrogativas do Conselho de Estado, entre outras medidas que foram vetadas pela maioria na Câmara dos Deputados. O governo do Império tinha perdido suas bases econômicas, militares e sociais, sem que essas ideias republicanas tivessem ainda grande penetração popular, apesar de o povo também estar descontente com Monarquia, ainda que estivesse feliz por causa da abolição da escravatura.

A Proclamação da República Brasileira aconteceu no dia 15 de novembro de 1889. Resultado de um levante político-civil-militar que deu início à República Federativa Presidencialista. Marechal Deodoro da Fonseca foi o responsável pela efetiva proclamação e foi o primeiro Presidente da República, tendo Marechal Floriano Peixoto como vice-presidente, num governo provisório (1889-1891). Não há uma revolução, ou mesmo grandes mudanças com a Proclamação da República. O que há de imediato é a abertura da política aos homens enriquecidos, principalmente pela agricultura. Na República, abre-se espaço de decisão para esta classe que carecia desse poder de decisão política. No ano da Proclamação, o Brasil possuía 636 indústrias e cerca de 54 mil operários. Como ministros desse governo provisório membros regulares da Maçonaria Brasileira: Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Campos Sales, Aristides Lobo, Demétrio Ribeiro e o Almirante Eduardo Wandenkolk – todos aliados aos ideais da filosofia Positivista, usando dos símbolos como um aparato religioso à religião republicana. Lembrando que Deodoro era contrário ao movimento republicano e defensor da Monarquia, como deixa claro em cartas trocadas com um seu sobrinho, em 1888, afirmando que, apesar de todos os seus problemas, a Monarquia, para ele, continuava sendo um sustentáculo do país, e que a república constituiria uma desgraça, por não estarem os brasileiros preparados para ela.

Na oportunidade da comemoração dos 370 anos do Exército Brasileiro, em 2018, o General-de-Exército Villas Boas, então comandante do Exército, iniciou a leitura da ordem do Dia: “Em qualquer grupamento humano primitivo há sempre um segmento responsável pela segurança coletiva. Na medida em que esse grupamento humano vai incorporando novos elementos culturais, tornando-se mais complexo, ali está o embrião das Forças Armadas e, quando atinge o estado de Nação e se transforma em um País, as Forças Armadas já preexistiam, e tiveram uma ativa participação em toda essa dinâmica de consolidação de um novo País... Em solo nordestino, plantamos a raiz do Brasil de hoje, com negros, brancos, índios e mestiços, irmanados e ombreados para expulsar o invasor. Evoluímos, desde então, inspirados nos exemplos da Insurreição Pernambucana. Vieram as lutas nativistas, a Independência, o combate às insurreições, as campanhas na região do Prata, a Abolição da Escravatura, a República, a Segunda Guerra Mundial e os desafios da modernidade. Evoluímos em consciência e pujança. O Exército - que surgiu em Guararapes, liderado por Vidal de Negreiros, Felipe Camarão, Henrique Dias, João Fernandes Vieira e Antônio Dias Cardoso, todos reconhecidos como "Heróis da Pátria" - prefere não adotar os conceitos de sociedade civil e sociedade militar. Junto à Marinha e à Força Aérea, integra uma sociedade única, capaz de entender as lições do passado, participar continuamente da construção do presente e contribuir com um futuro de paz, justiça e prosperidade para todos os brasileiros. Ordem e Progresso são substantivos de conotação clara e robusta, capazes, por si sós, de iluminar nossa trajetória. Não acontecem sem respeito à lei, sem amor ao País e sem honestidade de propósitos”.

Sendo, portanto, o próprio povo, em fardas e armas, desde sua origem primeira e sempre, as Forças Armadas participaram de todos os momentos históricos do país, respondendo, pois, aos anseios desse povo. A ligação é antropológica, umbilical. Um dos pilares de nossa origem como nação. Não há dialética capaz de destruir isso. Não há interpretação histórica e retórica capaz de falsificar esta identidade, a não ser que se trabalhe na falsificação interpretativa dos fatos e na reengenharia social que, através dessa falsificação, tente romper com esse elo antropológico. Coisa parecida é feita também no campo de nossa formação religiosa, mas é assunto para outra oportunidade. Justamente porque somente o rompimento com essa identidade antropológica pode preparar adequadamente o terreno que possibilite a revolução, seja ela de esquerda ou de uma ‘direita’ que aja nos mesmos moldes revolucionários, só que de viés que se auto proclame conservador. Pois de conservador nada tem, porque se recusa a aceitar a própria identidade antropológica, querendo substituí-la por outra europeizada que julgam ser superior.

A guerra que vive o Brasil é antropológica. Não só o Brasil, mas todo o Ocidente. É batalha psicológica. Trava-se na conquista de mentes e de corações. No resgate da própria verdade histórica. Jamais será vencida pela substituição da uma mentira por outra mentira, igualmente construída, mesmo que de viés aparentemente oposto.

Está na hora dessa gente bronzeada olhar para dentro de si mesma e resgatar sua identidade antropológica. Só assim venceremos a agenda globalista e todas as pendências que nos impedem de ser a maior nação que esta Terra já viu florescer.

5 comentários:

Marcus Dias disse...

Excelente artigo.
Parabéns!

Unknown disse...

Muito amplo e elucudativo . Parabéns

Val Mesquita disse...

Muito bom, o artigo!

Unknown disse...

O brasileiro, não conhece sua própria história, e não a valoriza.

Herança dos governos, que desejam um povo sem esclarecimento, ignorante, para continuar com a CORRUPÇÃO e tudo o que estamos vivendo.

Para todos é um texto que faz uma revisão, e procura deixar um alerta.
VALE SEU ESFORÇO

TÂNIA MARIA disse...

Maravilhoso artigo.