Rebecca Santoro
“Sendo o Ministro Jobim réu confesso de haver violado a Constituição Federal, inserindo por conta própria tópicos que não deveriam constar no seu texto, carece de credibilidade para tomar ciência de assuntos, protegidos por grau de sigilo, inerentes à Defesa Nacional”. A frase consta do artigo do Cel Ref Márcio Matos Viana Pereira, “Defender as Instituições Militares é um dever patriótico”, que relata um pouco da trajetória do atual ministro da defesa e manifesta repúdio às reações intempestivas de Jobim em defesa de ex-guerrilheiros que tentaram, no passado, implantar o comunismo no Brasil através da luta armada.
Por que citar essa frase? Ora, porque o ministro da defesa esteve nos EUA (*), durante quatro dias na semana passada, e ousou defender o posicionamento dos governos da Venezuela e do Equador frente ao do governo da Colômbia, em relação à “invasão” de área de fronteira do território equatoriano, por parte do exército colombiano, para combater acampamento fixo e estável dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias Comunistas (FARC), da Colômbia, que estava assentado naquele território fronteiriço. Jobim insistiu nesse posicionamento, como se fosse o porta-voz de milhões de brasileiros, apesar de todas as revelações amplamente divulgadas pela imprensa a respeito do conteúdo dos documentos encontrados nos computadores apreendidos na operação colombiana ligando as FARC a Hugo Chavez, presidente da Venezuela, e a Rafael Correa, presidente do Equador.
Nos encontros com autoridades, incluindo Condoleezza Rice, a secretária de Estado norte-americana, Stephen Hadley, o assessor do Conselho de Segurança Nacional, e Jamis Mattis, o chefe do Comando de Forças Combinadas e comandante supremo da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Jobim, segundo reportado por Eliane, disse que não haveria nenhum motivo para que os EUA se preocupassem com a situação política da América Latina e que o futuro Conselho Sul-Americano de Defesa, articulado pelo Brasil, seria “um bom ambiente de diálogo, principalmente no sentido profilático, examinando situações, antecipando problemas e neutralizando tensões", num esforço do ministro para, ainda segundo Cantanhêde, “dissipar a percepção de que um conselho de defesa - militar, portanto - exclusivo da América do Sul, poderia ser um foco de confrontação e de resistência à liderança natural e poderosa dos EUA, que têm o domínio nos organismos já tradicionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos)”.
Errou a Cantanhêde. Influência na OEA ainda vá, mas na ONU? O Estado norte-americano? Não. Tanto é que os EUA têm se visto na antipática posição de não assinar diversos acordos, legislações, protocolos etc. estabelecidos naquela organização, justamente por se verem no dever de defender os interesses dos próprios EUA. Não há nada mais antiamericano do que a ONU. Pelo amor de Deus! Aliás, não há nada tão anti-estados-nacionais do que a ONU.
Jobim foi além. Disse que Chavez havia sido eleito democraticamente na Venezuela e que os EUA, ao contrário, teriam fomentado o golpe de 2002 que pretenderia destituir Chavez do poder. Vê-se que o chefe do ministério da defesa não leu absolutamente nada a respeito do assunto e, se leu, não deu a menor importância para os boletins, a que certamente teria condições de acesso, fornecidos pelos departamentos de inteligência nacionais e internacionais e ainda para documentos de investigações sobre a crise venezuelana, que teria desencadeado o tal do falso golpe, feita por agentes públicos dentro da própria Venezuela.
E caso porventura não tivesse o senhor ministro acesso a nenhum documento privilegiado de informações, bastariam poucos cliques na rede internacional de computadores, onde, por exemplo, poderia conhecer um dos tais funcionários públicos venezuelanos, o promotor Danilo Anderson – o ”Mártir Necessário” - assassinado, em 2004, na Venezuela (**1), assim como também vídeos sobre a invasão da guarda nacional de Chavez às estações de rádio e de TV venezuelanas, na ocasião, para obrigá-las a deixar de transmitir o massacre que agentes da guarda nacional (e da polícia metropolitana de Caracas) faziam a civis desarmados (**2) e a transmitir pronunciamento do ditador. É medíocre e irresponsável demais acusar o governo norte-americano de golpe contra Chavez em 2002.
"Os governos (do Equador e da Venezuela) não têm nada a ver com isso. Os guerrilheiros se escondem e às vezes é impossível detectá-los. Só quem não conhece a floresta é capaz de achar que é fácil identificar acampamentos nas fronteiras", disse Jobim também, em defesa de Chávez e de Correa, como revela Cantanhêde. Comentar o quê sobre esta infeliz frase (mais uma de uma série de tantas outras, é verdade) proferida por um homem que deveria saber que os acampamentos da guerrilha não são nada provisórios e que monitorar acampamentos habitados por humanos em áreas densamente cercadas por florestas, dentro do território nacional de cada um, já não é algo tão impossível assim, principalmente quando o acampamento tem até antena de recepção e de transmissão de dados via satélite? Comentar o quê?
Talvez só reste, por exemplo, recordar uma declaração feita, recentemente, pelo general Heleno Pereira, que hoje comanda as operações do Exército na Amazônia, à jornalista Mirian Leitão. Em seu artigo “Fronteiras Vivas”, de 5 de março de 2008, ela cita frase do general, justamente sobre o episódio da “invasão” colombiana: “Apesar de selva, qualquer movimento é percebido. A população é rarefeita; para um grupo ficar na selva, ele tem que ter apoio. Como se abastecer? O apoio tem que vir pelo rio, e isso seria percebido”, disse o general Heleno que argumentava ser impossível que as FARC entrassem e se instalassem num país sem serem percebidas, ainda que em região de selva. Quem será que entende mais de guerrilha em selva, o general Heleno ou Nelson Jobim?
Apesar de supor que já esteja mais para lá do que claro que o senhor atual ministro da defesa talvez não seja muito chegado ao interesse de realmente se inteirar das questões militares que vão além das que constem de dois ou três discursos milimetricamente decorados (no mínimo pela repetição enfadonha do mesmo em conferências públicas e privadas) sobre a Segurança Nacional, faltou algum repórter, talvez também um pouco mais bem informado, questionar Jobim sobre esse seu posicionamento em favor das reações de Hugo Chavez e de Rafael Correa à “invasão” do território equatoriano pelo exército colombiano para combater as FARC. E questionar como?
Questionar, talvez, sobre as incursões das FARC em territórios estrangeiros e até em território brasileiro para matar soldados e para pilhar grupamentos militares de fronteira, como, por exemplo, a que aconteceu em 1991 (***), quando um grupo de 40 militantes daquela organização entrou em território nacional e atacou, de surpresa, um destes destacamentos militares, às margens do rio Traíra, matando 3 militares, ferindo outros 17 e, por fim, roubando armas, munições e equipamentos. Como a Colômbia não dá guarida para guerilheiro comunista, dias depois, o Exercito Brasileiro deflagou a Operação Traira, em conjunto com o Exército da Colômbia, para afastar os atacantes e recuperar o que havia sido roubado. Na operação, que foi bensucedida, 7 guerrilheiros morreram.
Isso aconteceu, porém, em 1991, antes, portanto, que membros do Foro de São Paulo, como Lula, aqui no Brasil, Rafael Correa, no Equador, Hugo Chavez, na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, e outros chegasssem ao poder, financiados por este próprio Foro, em diversos países da América Latina. O Foro de São Paulo, como já amplamente divulgado na internet, abriga as FARC como se fossem apenas e tão somente uma organização político-partidária.
E se os guerrilheiros, hoje, depois de atacar brasileiros, fugissem para acampamento na Venezuela, por exemplo, faríamos o quê? Nada? Talvez tivéssemos que optar por uma saída diplomática e negociar com os terroristas, via Chavez? Ou não faríamos nada mesmo, como tem acontecido em diversas ocasiões, simplesmente por causa do abandono que o governo e o MD têm deixado as Forças Armadas brasileiras, como revelava reportagem da revista Época, em dezembro do ano passado? Nessa matéria, um oficial militar cujo nome, por razões óbvias, não pôde ser citado, disse o seguinte: "Se os soldados encontrarem cocaína das Farc, tenha certeza de que os guerrilheiros vão querer recuperar o que foi apreendido. Não estamos preparados para isso".
Nelson Azevedo Jobim, nosso ministro da defesa, é advogado e político. E, como ministro da defesa, Jobim é um ótimo advogado e político. É, Jobim é, definitivamente, advogado e político.
(*)
Nos EUA, Jobim defende Chávez e Correa
O ministro da Defesa rebateu a acusação de conivência dos líderes da Venezuela e do Equador com guerrilheiros das Farc. Jobim disse a Condoleezza Rice que não há motivo para preocupação com a América Latina e que quer Conselho Sul-Americano de Defesa.
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADA ESPECIAL A WASHINGTON
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, aproveitou sua viagem de quatro dias aos EUA, na semana passada, para defender nas suas conversas oficiais os governos Hugo Chávez, da Venezuela, e Rafael Correa, do Equador, da acusação de conivência com guerrilheiros. Avaliou também que a transição em Cuba será tranqüila.
"Há muita tranqüilidade em relação à transição em Cuba, desde que ela seja gerenciada pelo povo cubano, que é muito orgulhoso", disse Jobim em conversa na sexta-feira com a secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, conforme ele próprio relatou à Folha antes de embarcar de volta ao Brasil.
Na conversa com Rice, o ministro comparou Fidel Castro, o ditador que renunciou ao comando do governo em Cuba, com Raúl Castro, seu irmão e sucessor: "O Fidel ouvia pouco, o Raúl ouve muito", disse à secretária que, segundo ele, considerou a observação "um aspecto muito interessante".
Rice manifestou especial interesse na visão brasileira sobre Chávez e sobre o incidente entre a Colômbia e o Equador, quando tropas colombianas bombardearam um acampamento das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em solo equatoriano, na madrugada do dia primeiro deste mês.
Jobim respondeu-lhe que "não há motivo para preocupação com a América Latina", algo que repetiu em seus outros contatos nos EUA, como, por exemplo, com o assessor do Conselho de Segurança Nacional, Stephen Hadley, e o chefe do Comando de Forças Combinadas e comandante supremo da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Jamis Mattis.
Conselho de Defesa
"Não há nenhuma gravidade especial, tudo foi devidamente contornado pela ação diplomática", respondeu-lhes Jobim, sempre na sua própria versão.
Acrescentou que o futuro Conselho Sul-Americano de Defesa, articulado pelo Brasil, pode ser precioso em eventuais situações similares. "O Conselho será um bom ambiente de diálogo, principalmente no sentido profilático, examinando situações, antecipando problemas, neutralizando tensões", disse o ministro a Rice.
Ele se esforçou todo o tempo para dissipar a percepção de que um conselho de defesa -militar, portanto- exclusivo da América do Sul poderia ser um foco de confrontação e de resistência à liderança natural e poderosa dos EUA, que têm o domínio nos organismos já tradicionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos).
Brasil e Chávez
Jobim também repetiu para Rice e para Hadley e Mattis a posição brasileira quanto a Chávez: a de que ele foi eleito democraticamente e segue todas as normas institucionais, respeitando inclusive a derrota no plebiscito sobre mandatos múltiplos. "Quem agiu não-democraticamente foi a oposição que [com apoio dos EUA] tentou um golpe para derrubar Chávez em 2002."
O ministro também discordou do discurso do presidente George W. Bush de que países sul-americanos dariam guarida e teriam conivência com grupos guerrilheiros e narcotraficantes, como as Farc.
"Os governos [do Equador e da Venezuela] não têm nada a ver com isso. Os guerrilheiros se escondem e às vezes é impossível detectá-los. Só quem não conhece a floresta é capaz de achar que é fácil identificar acampamentos nas fronteiras", disse, em defesa de Chávez e Correa.
Compras militares
O ministro, que visitou a base aeronaval de Norfolk e a base aérea de Langley, também participou de uma mesa-redonda com representantes da indústria de defesa, organizada pelo Conselho de Negócios Brasil-EUA. Ali, conforme relatou, deixou claro que o Brasil não se conforma em ser mero comprador. "Não queremos dependência, queremos fazer parcerias nacionais", disse.
Ou seja: insistiu na transferência de tecnologia.
Sugeriu, ainda, que os representantes entrassem em contado com o Comdefesa, grupo ligado à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), para articular uma pauta de negócios possíveis nessa área.
França, Rússia, EUA e, mais distante, Suécia oferecem seus aviões de caça militares para o Brasil, dentro do projeto F-X de renovação do esquadrão da FAB (Força Aérea Brasileira). Jobim voltou a dizer que não há nada fechado e encerrou a conversa com a Folha abrindo uma nova possibilidade: "Quem sabe a gente não abre uma concorrência entre eles?"
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