Por Rebecca Santoro
12 de novembro de 2007
Realizou-se nos dias 6, 7 e 8 de novembro, em Brasília, o VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos (ENEE) - (clique no quadro ao lado e veja os detalhes do evento). Ao contrário de muitos que lá estavam (que foram atrás da inscrição), eu fui nominal e solenemente convidada, através de correspondência eletrônica, a me inscrever - o que fiz, prontamente, é claro, por parecer tratar-se de um evento cuja temática estava plenamente relacionada com tudo o que costumo escrever. Devo confessar, entretanto, que, até agora, ainda não consegui compreender as razões que possam ter levado alguém a me fazer o tal convite.
Começo a supor que possa ter sido: 1) para me torturar; 2) para que eu tivesse a oportunidade de constatar, ao vivo, o quão bem consolidado está o poder da esquerda “neo-revolucionária” de impor o seu discurso e 3) para que eu pudesse ter uma idéia da enormidade daquilo que eu e muitos outros – todos taxados de fascistas de direita – estamos tentando combater (o “inimigo” é imenso, tem muitos braços, várias cabeças e diversas personalidades – é realmente assustador). Tudo bem, é claro que eu estou brincando de delírio de egocentrismo, uma vez que é muito mais provável que eu tenha recebido o convite porque recebo “newsletter” (boletins de notícias) de alguns sites, entre eles o Inforel, que é um dos patrocinadores do ENEE.
De qualquer modo, foram três dias de provação e da mais completa solidão (aquela, da pior espécie, que acontece justamente quando você no meio de uma multidão). Três dias em que eu fiquei cara a cara com a minha insignificância, com o peso do meu anonimato impotente e em que tive de encarar o fato de que todo o trabalho daqueles que tentam desmascarar o discurso da esquerda (seja aqui no Brasil ou no mundo em geral) e desnudar suas verdadeiras intenções está muito distante de ser algo que se aproxime do que poderia ser considerado o mínimo necessário.
As idéias precisam ser compradas por gente interessada em colocá-las em prática, em transformá-las em realidade. E, geralmente, no mundo em que vivemos, isso só acontece quando elas, lá no varejo, se traduzam em lucratividade (que nesse caso significa uma combinação de três elementos: dinheiro, poder e segurança) para quem nelas tenha investido, muito mais financeira do que ideologicamente. Mas, isso é discurso para um próximo artigo. Voltemos ao Encontro.
Nesse relato, particularmente, eu quero levar o leitor para dentro do evento, porque o Encontro em si e o que quer que se tenha dito por lá, apesar de reportável, não representa novidade nenhuma. A notícia sobre o VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos está no que não foi dito, nas reações corporais das platéias ao que ia sendo exposto pelos palestrantes, no comportamento das pessoas durante os intervalos entre as conferências, no que se conseguia captar do que se falava nos pequenos e fechadíssimos grupos que se formavam nesses intervalos.
Uma das vantagens da solidão no meio da multidão é que se pode ao menos escolher de qual grupo de pessoas você vai se posicionar mais próximo para ouvir a conversa e, naturalmente, abandonar o campo, ao bel prazer, quando perceber que “já deu”. Outra vantagem é dispor de liberdade para conversar com gente do povão, que, em geral, nestes eventos, está representado pelos seguranças, pelos garçons, pelo pessoal encarregado da limpeza etc. E, acreditem, foi exatamente isso que eu fiz; pois, se há uma pessoa que consegue tirar de uma mínima vantagem qualquer que determinada situação possa oferecer toda uma razão para não ficar parada, essa pessoa sou eu.
Vamos para o cenário. Estamos num amplo e confortável centro de convenções, com tudo a que se tem direito: computadores com internet, telões, excelentes recursos acústicos, ar condicionado, lanchinhos e irretocável serviço de promoção e de organização de eventos. Dizem que o evento custou cerca de R$ 600 mil (mas, eu não confirmei esta informação). O número de participantes oscilava entre 300 e 500, dependendo do horário e do tema de cada conferência (e do conferencista, é claro). Pelo menos 50% desse pessoal estava fardado – e, dentro dessa multidão de farda, que a gente só vê em unidades militares ou em desfiles de 7 de Setembro, umas 5 (7?) mulheres? Dos 50% restantes, mais de 80% estava de terno – o que significa dizer que a presença feminina estava dentro dos restantes 20% – grupo no qual se incluíam também os homens que não estavam nem de farda e nem de terno. Um outro dado interessante é que, ao menos metade das pessoas que não estavam fardadas era de militares da reserva, do pessoal da Abin, da Polícia Federal, do gabinete de Segurança da Presidência da República e de atividades afins.
Bem, então, o leitor pode imaginar o grau de receptividade com que eu – mulher e jornalista - tive de lidar nesses 3 dias de encontro: todo mundo muito educado, mas “agora, me dê licença, por que os segundos que me proponho a gastar com estranhos nesses eventos acabou; com jornalista, então, já foi muito além do recomendável”. No caso dos palestrantes, as respostas que mais ouvi às minhas perguntas (todas feitas em off e depois das palestras) podem ser resumidas num bordão destes de programas de TV: “prefiro não comentar...”. A palavra “comunista” e praticamente todas as suas derivações tornaram-se tabu – muito poucos conseguem pronunciá-la e, se for para qualificar alguém, recorre-se a todos os recursos lingüísticos possíveis, mas a palavra em si ninguém usa (ouvem-se coisas do tipo “ele tem uma postura revolucionária alternativa” etc...).
Na verdade, ao invés de Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, ficaria bem mais adequado chamar o evento de Painel de Propostas Governamentais para os Problemas Estratégicos Brasileiros. Dessa forma, compareceria quem estivesse interessado em ouvir – exclusiva e passivamente – as tais propostas governamentais. Nada contra a quem assim o fizesse. Acontece que o título remete a outras idéias. A palavra “encontro”, por exemplo, significa reunião de duas ou mais pessoas para se confraternizar ou ainda para confrontar idéias. Mas, em todos os casos, pressupõe troca, diálogo; coisa que, absolutamente, não se encaixa no modelo adotado para as conferências e nem no de tratamento e de coordenação dispensado aos participantes inscritos, que acabaram por se fechar em seus próprios grupos, desperdiçando a oportunidade de contato com diferentes segmentos sociais e profissionais.
O mesmo problema acontece com a palavra “estudos”. Inserida no contexto do nome do evento, “Encontro de Estudos...” – e já que “Estudos” não têm vida para ir ao encontro de ninguém -, tal palavra, naturalmente, remete à idéia de que exista a intenção ou de se discutir um determinado estudo, já elaborado, porém não de forma conclusiva, ou de se acolher propostas de estudos para que sejam levadas aos órgãos governamentais responsáveis – que poderão, posteriormente, analisá-las e aproveitá-las ou não. Definitivamente não foi o caso das palestras, nas quais o palestrante expunha sobre determinado assunto e, no final de sua apresentação, respondia às perguntas enviadas pelos participantes - que lhe eram encaminhadas pelo apresentador e mediador da palestra e que deveriam ser feitas obrigatoriamente por escrito. De modo que, cada palestrante respondeu o quê e como queria, sem sofrer interpelação.
É claro que houve palestras muito boas, proferidas por alguns dos melhores profissionais de suas áreas de atividade. O problema é que ninguém estava ali para se indispor com o governo – o que acabava fazendo com que o silêncio fosse a única resposta possível a determinadas perguntas. Mas, principalmente nas áreas de segurança, o consolo foi constatar que há profissionais realmente competentes e que procuram fazer seu trabalho dentro de uma perspectiva patriótica.
Sem contar as rápidas entrevistas que fiz, meus encontros mais produtivos (e isso só o futuro dirá) acabaram sendo mesmo, como já mencionei acima, com gente do povão: um pequeno comerciante, três estudantes, alguns seguranças, um motorista de táxi e um engraxate – estes dois últimos, do lado de fora do encontro. Vocês não vão acreditar, mas todos eles demonstraram enxergar a realidade e ter uma capacidade instintiva infinitamente superior para distinguir entre verdade e mentira, do que, em geral, demonstravam ter os participantes do evento. Talvez a explicação seja a de que estes indivíduos não estão sob um processo permanente de lavagem cerebral, justamente por estarem distantes do Poder. A razão primeira da crítica deles ao bolsa-família do governo, só para dar um exemplo, é uma questão de matemática e não de ideologia (veja quadro ao lado).
Foro de São Paulo? URSAL (União das Repúblicas Socialistas da América Latina)? As Farc (Forças Armadas Revolucionárias Comunistas – da Colômbia) atuando em território nacional? MST armado? O absurdo Quilombola? Hugo Chavez inimigo (não do PT, mas do Brasil)? Suborno e chantagem vitimando congressistas? Rússia e China neo-comunistas? Aquecimento global provocado pela ação humana é balela para criar commodities? Bases militares venezuelanas na Bolívia? Helicópteros venezuelanos pousando em Mato Grosso? Contas bancárias no exterior e recheadas de dólares de nossas mais proeminentes autoridades governamentais? Urnas eletrônicas sem voto impresso não são seguras e podem ser fraudadas? Tudo ficção científica! Coisa de gente que quer perseguir o governo; fatos que não nos afetam em proporções importantes ou que são taxados de mentira mesmo.
O leitor pode imaginar qualquer discussão séria sobre a elaboração de estratégias de desenvolvimento ou de defesa para o Brasil que simplesmente ignore as questões acima colocadas, ou que as minimize a ponto de debochar de quem se atreva a mencioná-las? Eu acho que não. Mas, ali, no reino encantado de Ali Babá, tudo é possível (outro nome interessante para o evento poderia ser Cúpula do Cinismo).
Vou resumir o que foi dito, alto e bom tom, por alguns ilustres palestrantes.
Mangabeira Unger, ministro extraordinário de assuntos estratégicos, disse que o Brasil precisa encontrar o seu próprio modelo de desenvolvimento, longe das características imperialistas dos EUA, mas também sem a exploração excessiva da mão-de-obra, como acontece na China. Na verdade, seu objetivo é refundar o socialismo e realizar aqui no Brasil, e na América Latina, o sonho comunista que não pôde ser plenamente realizável, por exemplo, na antiga URSS e na China, porque, como se sabe, todo socialista alega que o comunismo só dará certo se o mundo todo for comunista. Unger disse ter recebido uma missão “sacrossanta do governo Lula” (e do clube de Bilderberg antes deste – mas isso ele preferiu não dizer para sua platéia, é claro; platéia esta que continua analfabeta em se tratando de diferenciar as ações que partem do Estado Norte-Americano das que vêm dos poderosos grupos financeiro-empresariais transnacionais – todos de esquerda – e que atuam no e através do Estado Norte-Americano, inclusive contra o próprio).
Eu poderia falar bastante sobre o pronunciamento de Unger, mas tive a sorte de poder colocar essa missão nas mãos do incomparável filósofo Olavo de Carvalho – ouçam o talk-show desta segunda-feira, 12/11, às 20 hs. Certamente estará imperdível! De minha parte, eu posso acrescentar à cena o fato de que o ministro do futuro deixou de ser aplaudido por pelo menos 1/3 da platéia. Ou seja, o pseudo nacionalismo “américo-latinista” e “emancipalista” de Unger engabelou 2/3 dos participantes!
Outro que se pronunciou em mais de uma oportunidade foi o General Armando Félix, Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Ele deixou claro que apóia a atuação conjunta de todas as Forças Armadas Sul-Americanas para proteger o Continente contra os imperialistas que têm ambições, principalmente, em relação às nossas riquezas amazônicas. Para o general, a integração sul-americana é essencial. Ele também não considera Hugo Chavez uma ameaça para o Brasil: disse que os dois países têm boas relações e que não há motivos para preocupação. Os olhinhos do general e de outros militares não escondem o brilho de satisfação ao verem as FFAA voltarem a ter importância na agenda governamental – o governo acena com aparelhamento (e não reaparelhamento, pois haverá reestruturação das forças e de suas funções), adotou um discurso elogioso e de reaproximação com as FFAA (desde que os milicos engulam a pecha de ditadores do passado), mas deixa claro que o projeto é reformá-las, segundo dizem, em conjunto com os militares.
Todo mundo fingindo que não sabe (ou que pelo menos não tem sérias suspeitas a respeito) que os planos para o futuro de nossas Forças Armadas, dentro do contexto mundial universalmente dominado, globalizado e dividido em blocos, já estão traçados, e não é de hoje: patrulhas especializadas, formadas por contingentes menores, sem muitos vínculos intercambiais entre as mesmas, principalmente no que se refere ao contato humano. (Veja o quadro ao lado). É dentro desta perspectiva que será traçado o plano de reestruturação das FFAA. Quem viver, verá...
O Senador Aloísio Mercadante (PT) também foi um dos palestrantes e fez uma exposição completa de dados estatísticos econômicos, todos eles extremamente otimistas. Eu achei que estivesse ouvindo uma explanação sobre os dados da Suíça, ou de qualquer país de primeiro mundo. E, pela reação da platéia, eu não era a única. Mas, a pérola do pronunciamento do senador foi a seguinte: “A CPMF é o único imposto que até sonegador e traficante pagam” e que por isso, naturalmente, seria um imposto de cobrança eficaz e justo porque os mais pobres não pagariam diretamente. Não seria mais interessante, então, transformar o sistema de recolhimento dos outros impostos para os moldes da CPMF, ao invés de perpetuá-la? Outra: veja o quadro ao lado e verifique o tamanho da ilegalidade e do abuso fiscal que representa a CPMF, que é paga sim também pelos pobres, ao contrário do que disse o senador.
Em uma das quatro salas de palestras – que aconteciam simultânea e paralelamente, mais ou menos organizadas por temas e para um menor número de participantes - Márcio Santilli, coordenador do Instituto Socioambiental (ISA) falou sobre “o futuro de uma política indígena”. Para quem não sabe, Márcio Santilli é irmão de Paulo Santilli, o antropólogo que participou do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol em terras contínuas. Primeiro, Márcio disse que as terras indígenas não eram desproporcionalmente grandes para o número de índios que as ocupam, defendendo essa opinião com um discurso “numérico-relativista”. Entretanto, também defendeu a possibilidade de os índios travarem relações comerciais independentes com quem bem entenderem e de desfrutarem de todo e qualquer bem e serviço oriundo da “civilização ocidental”. Santilli, inclusive, defende que os índios façam parte das FFAA, como recrutas e como militares de carreira, e que defendam as fronteiras do Brasil, nas regiões onde estas estejam dentro das áreas de reserva indígena. Ora, ou bem o Sr. Márcio Santilli defende que as reservas indígenas são necessárias para que os índios preservem seu “modos vivendi”; ou bem ele defende que os mesmos possam vir a ser, inclusive, soldados ou militares de carreira. É uma questão de lógica: se o índio não vive como índio, por que é que precisa de terras para viver como índio?
Para fechar com chave de ouro, estiveram presentes ao evento, como conferencistas, o secretário geral das relações exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Vamos resumir: o embaixador fecha com Mangabeira Unger. Jobim, é claro, também – mas sabe ser incrivelmente mais sutil. Ele é daqueles que assume uma postura tão seguramente incisiva quanto à certeza do que está dizendo, que, mesmo que se trate de um absurdo, pouca gente tem coragem de contestar – sem falar nos que acreditam no que está sendo dito, sem titubear.
Tem gente que diz que Nelson Jobim é o primeiro civil ministro da defesa de verdade. Eu não tenho a menor dúvida em relação a isso, mas não necessariamente pelos mesmos motivos. Se a gente parar para analisar, o que vem a ser um ministro da defesa? Ora, em relação às FFAA, é a pessoa que coloca a marca do governo na atuação e na administração das mesmas; é quem faz a ponte entre os dois. Por isso, o ministro da defesa serve ao governo e as FFAA servem ao Estado brasileiro – embora ambos tenham compromissos legais um para com o outro.
Essa mínima noção a respeito das atribuições de cada ator dentro deste cenário já é razão suficiente para que se entenda que qualquer mudança na estrutura, na formação e até mesmo na função das FFAA deva partir de dentro das mesmas (que lidam diariamente com o exercício ficcional da guerra), chegando ao presidente e ao congresso por meio de proposta a ser analisada, e não o contrário, como se está vendo agora, quando se coloca como condição primeira, para satisfazer as evidentes carências da Força, uma “discussão que envolva toda a sociedade civil” (sic) – discussão esta que, percebe-se claramente, visa dar legitimidade a mudanças na estrutura e nas atribuições das FFAA que já estão preestabelecidas, desde o estrangeiro. É muito fácil identificar esse caráter legitimador “engana trouxa” por causa do mal disfarçado afinamento entre os discursos a respeito desse tema proferidos pelas “autoridades” governamentais – que batem unânime e repetidamente na tecla da “cooperação entre as Forças Armadas dos países sul-americanos e na necessidade “inquestionável” de “reformular” nossas FFAA.
Os três dias em que fiquei o mais perto que jamais cheguei do Poder terminaram mesmo em lágrimas. Foi realmente desanimador entrar e sair de palestras nas quais se ouvia, reiteradamente, que os EUA são os responsáveis pela nossa condição de país subdesenvolvido e, de quebra, por todas as desgraças da humanidade (quando se sabe que se não fosse a presença daquele estado-nação no mundo, há muito a desgraça comunista já teria dominado todos os povos). Foi triste ter que ouvir, em várias ocasiões, que as relações diplomáticas e comerciais do Brasil com outros países independe do que quer esteja acontecendo com as populações que neles habitem. Foi triste ver tanta gente engolindo discurso evidentemente pró-comunista, pelas veias nacionalisteiras
Seremos todos vítimas do maquiavelismo de um bando de comunisto-globalistasas e da cegueira de uma multidão de nacionalisteiros xenófobos que nem ao menos se dão ao trabalho de estudar o que o passado histórico das revoluções comunistas e do fascismo podem ensinar sobre a apropriação do discurso nacionalista por parte dos comunistas e dos fascistas, como uma das importantes etapas para a consolidação tanto do comunismo como do fascismo – etapa esta que, vencida, reserva aos nacionalisteiros o paredão e aos povos a escravidão.
Começo a supor que possa ter sido: 1) para me torturar; 2) para que eu tivesse a oportunidade de constatar, ao vivo, o quão bem consolidado está o poder da esquerda “neo-revolucionária” de impor o seu discurso e 3) para que eu pudesse ter uma idéia da enormidade daquilo que eu e muitos outros – todos taxados de fascistas de direita – estamos tentando combater (o “inimigo” é imenso, tem muitos braços, várias cabeças e diversas personalidades – é realmente assustador). Tudo bem, é claro que eu estou brincando de delírio de egocentrismo, uma vez que é muito mais provável que eu tenha recebido o convite porque recebo “newsletter” (boletins de notícias) de alguns sites, entre eles o Inforel, que é um dos patrocinadores do ENEE.
De qualquer modo, foram três dias de provação e da mais completa solidão (aquela, da pior espécie, que acontece justamente quando você no meio de uma multidão). Três dias em que eu fiquei cara a cara com a minha insignificância, com o peso do meu anonimato impotente e em que tive de encarar o fato de que todo o trabalho daqueles que tentam desmascarar o discurso da esquerda (seja aqui no Brasil ou no mundo em geral) e desnudar suas verdadeiras intenções está muito distante de ser algo que se aproxime do que poderia ser considerado o mínimo necessário.
As idéias precisam ser compradas por gente interessada em colocá-las em prática, em transformá-las em realidade. E, geralmente, no mundo em que vivemos, isso só acontece quando elas, lá no varejo, se traduzam em lucratividade (que nesse caso significa uma combinação de três elementos: dinheiro, poder e segurança) para quem nelas tenha investido, muito mais financeira do que ideologicamente. Mas, isso é discurso para um próximo artigo. Voltemos ao Encontro.
Nesse relato, particularmente, eu quero levar o leitor para dentro do evento, porque o Encontro em si e o que quer que se tenha dito por lá, apesar de reportável, não representa novidade nenhuma. A notícia sobre o VII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos está no que não foi dito, nas reações corporais das platéias ao que ia sendo exposto pelos palestrantes, no comportamento das pessoas durante os intervalos entre as conferências, no que se conseguia captar do que se falava nos pequenos e fechadíssimos grupos que se formavam nesses intervalos.
Uma das vantagens da solidão no meio da multidão é que se pode ao menos escolher de qual grupo de pessoas você vai se posicionar mais próximo para ouvir a conversa e, naturalmente, abandonar o campo, ao bel prazer, quando perceber que “já deu”. Outra vantagem é dispor de liberdade para conversar com gente do povão, que, em geral, nestes eventos, está representado pelos seguranças, pelos garçons, pelo pessoal encarregado da limpeza etc. E, acreditem, foi exatamente isso que eu fiz; pois, se há uma pessoa que consegue tirar de uma mínima vantagem qualquer que determinada situação possa oferecer toda uma razão para não ficar parada, essa pessoa sou eu.
Vamos para o cenário. Estamos num amplo e confortável centro de convenções, com tudo a que se tem direito: computadores com internet, telões, excelentes recursos acústicos, ar condicionado, lanchinhos e irretocável serviço de promoção e de organização de eventos. Dizem que o evento custou cerca de R$ 600 mil (mas, eu não confirmei esta informação). O número de participantes oscilava entre 300 e 500, dependendo do horário e do tema de cada conferência (e do conferencista, é claro). Pelo menos 50% desse pessoal estava fardado – e, dentro dessa multidão de farda, que a gente só vê em unidades militares ou em desfiles de 7 de Setembro, umas 5 (7?) mulheres? Dos 50% restantes, mais de 80% estava de terno – o que significa dizer que a presença feminina estava dentro dos restantes 20% – grupo no qual se incluíam também os homens que não estavam nem de farda e nem de terno. Um outro dado interessante é que, ao menos metade das pessoas que não estavam fardadas era de militares da reserva, do pessoal da Abin, da Polícia Federal, do gabinete de Segurança da Presidência da República e de atividades afins.
Bem, então, o leitor pode imaginar o grau de receptividade com que eu – mulher e jornalista - tive de lidar nesses 3 dias de encontro: todo mundo muito educado, mas “agora, me dê licença, por que os segundos que me proponho a gastar com estranhos nesses eventos acabou; com jornalista, então, já foi muito além do recomendável”. No caso dos palestrantes, as respostas que mais ouvi às minhas perguntas (todas feitas em off e depois das palestras) podem ser resumidas num bordão destes de programas de TV: “prefiro não comentar...”. A palavra “comunista” e praticamente todas as suas derivações tornaram-se tabu – muito poucos conseguem pronunciá-la e, se for para qualificar alguém, recorre-se a todos os recursos lingüísticos possíveis, mas a palavra em si ninguém usa (ouvem-se coisas do tipo “ele tem uma postura revolucionária alternativa” etc...).
Na verdade, ao invés de Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, ficaria bem mais adequado chamar o evento de Painel de Propostas Governamentais para os Problemas Estratégicos Brasileiros. Dessa forma, compareceria quem estivesse interessado em ouvir – exclusiva e passivamente – as tais propostas governamentais. Nada contra a quem assim o fizesse. Acontece que o título remete a outras idéias. A palavra “encontro”, por exemplo, significa reunião de duas ou mais pessoas para se confraternizar ou ainda para confrontar idéias. Mas, em todos os casos, pressupõe troca, diálogo; coisa que, absolutamente, não se encaixa no modelo adotado para as conferências e nem no de tratamento e de coordenação dispensado aos participantes inscritos, que acabaram por se fechar em seus próprios grupos, desperdiçando a oportunidade de contato com diferentes segmentos sociais e profissionais.
O mesmo problema acontece com a palavra “estudos”. Inserida no contexto do nome do evento, “Encontro de Estudos...” – e já que “Estudos” não têm vida para ir ao encontro de ninguém -, tal palavra, naturalmente, remete à idéia de que exista a intenção ou de se discutir um determinado estudo, já elaborado, porém não de forma conclusiva, ou de se acolher propostas de estudos para que sejam levadas aos órgãos governamentais responsáveis – que poderão, posteriormente, analisá-las e aproveitá-las ou não. Definitivamente não foi o caso das palestras, nas quais o palestrante expunha sobre determinado assunto e, no final de sua apresentação, respondia às perguntas enviadas pelos participantes - que lhe eram encaminhadas pelo apresentador e mediador da palestra e que deveriam ser feitas obrigatoriamente por escrito. De modo que, cada palestrante respondeu o quê e como queria, sem sofrer interpelação.
É claro que houve palestras muito boas, proferidas por alguns dos melhores profissionais de suas áreas de atividade. O problema é que ninguém estava ali para se indispor com o governo – o que acabava fazendo com que o silêncio fosse a única resposta possível a determinadas perguntas. Mas, principalmente nas áreas de segurança, o consolo foi constatar que há profissionais realmente competentes e que procuram fazer seu trabalho dentro de uma perspectiva patriótica.
Sem contar as rápidas entrevistas que fiz, meus encontros mais produtivos (e isso só o futuro dirá) acabaram sendo mesmo, como já mencionei acima, com gente do povão: um pequeno comerciante, três estudantes, alguns seguranças, um motorista de táxi e um engraxate – estes dois últimos, do lado de fora do encontro. Vocês não vão acreditar, mas todos eles demonstraram enxergar a realidade e ter uma capacidade instintiva infinitamente superior para distinguir entre verdade e mentira, do que, em geral, demonstravam ter os participantes do evento. Talvez a explicação seja a de que estes indivíduos não estão sob um processo permanente de lavagem cerebral, justamente por estarem distantes do Poder. A razão primeira da crítica deles ao bolsa-família do governo, só para dar um exemplo, é uma questão de matemática e não de ideologia (veja quadro ao lado).
Foro de São Paulo? URSAL (União das Repúblicas Socialistas da América Latina)? As Farc (Forças Armadas Revolucionárias Comunistas – da Colômbia) atuando em território nacional? MST armado? O absurdo Quilombola? Hugo Chavez inimigo (não do PT, mas do Brasil)? Suborno e chantagem vitimando congressistas? Rússia e China neo-comunistas? Aquecimento global provocado pela ação humana é balela para criar commodities? Bases militares venezuelanas na Bolívia? Helicópteros venezuelanos pousando em Mato Grosso? Contas bancárias no exterior e recheadas de dólares de nossas mais proeminentes autoridades governamentais? Urnas eletrônicas sem voto impresso não são seguras e podem ser fraudadas? Tudo ficção científica! Coisa de gente que quer perseguir o governo; fatos que não nos afetam em proporções importantes ou que são taxados de mentira mesmo.
O leitor pode imaginar qualquer discussão séria sobre a elaboração de estratégias de desenvolvimento ou de defesa para o Brasil que simplesmente ignore as questões acima colocadas, ou que as minimize a ponto de debochar de quem se atreva a mencioná-las? Eu acho que não. Mas, ali, no reino encantado de Ali Babá, tudo é possível (outro nome interessante para o evento poderia ser Cúpula do Cinismo).
Vou resumir o que foi dito, alto e bom tom, por alguns ilustres palestrantes.
Mangabeira Unger, ministro extraordinário de assuntos estratégicos, disse que o Brasil precisa encontrar o seu próprio modelo de desenvolvimento, longe das características imperialistas dos EUA, mas também sem a exploração excessiva da mão-de-obra, como acontece na China. Na verdade, seu objetivo é refundar o socialismo e realizar aqui no Brasil, e na América Latina, o sonho comunista que não pôde ser plenamente realizável, por exemplo, na antiga URSS e na China, porque, como se sabe, todo socialista alega que o comunismo só dará certo se o mundo todo for comunista. Unger disse ter recebido uma missão “sacrossanta do governo Lula” (e do clube de Bilderberg antes deste – mas isso ele preferiu não dizer para sua platéia, é claro; platéia esta que continua analfabeta em se tratando de diferenciar as ações que partem do Estado Norte-Americano das que vêm dos poderosos grupos financeiro-empresariais transnacionais – todos de esquerda – e que atuam no e através do Estado Norte-Americano, inclusive contra o próprio).
Eu poderia falar bastante sobre o pronunciamento de Unger, mas tive a sorte de poder colocar essa missão nas mãos do incomparável filósofo Olavo de Carvalho – ouçam o talk-show desta segunda-feira, 12/11, às 20 hs. Certamente estará imperdível! De minha parte, eu posso acrescentar à cena o fato de que o ministro do futuro deixou de ser aplaudido por pelo menos 1/3 da platéia. Ou seja, o pseudo nacionalismo “américo-latinista” e “emancipalista” de Unger engabelou 2/3 dos participantes!
Outro que se pronunciou em mais de uma oportunidade foi o General Armando Félix, Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Ele deixou claro que apóia a atuação conjunta de todas as Forças Armadas Sul-Americanas para proteger o Continente contra os imperialistas que têm ambições, principalmente, em relação às nossas riquezas amazônicas. Para o general, a integração sul-americana é essencial. Ele também não considera Hugo Chavez uma ameaça para o Brasil: disse que os dois países têm boas relações e que não há motivos para preocupação. Os olhinhos do general e de outros militares não escondem o brilho de satisfação ao verem as FFAA voltarem a ter importância na agenda governamental – o governo acena com aparelhamento (e não reaparelhamento, pois haverá reestruturação das forças e de suas funções), adotou um discurso elogioso e de reaproximação com as FFAA (desde que os milicos engulam a pecha de ditadores do passado), mas deixa claro que o projeto é reformá-las, segundo dizem, em conjunto com os militares.
Todo mundo fingindo que não sabe (ou que pelo menos não tem sérias suspeitas a respeito) que os planos para o futuro de nossas Forças Armadas, dentro do contexto mundial universalmente dominado, globalizado e dividido em blocos, já estão traçados, e não é de hoje: patrulhas especializadas, formadas por contingentes menores, sem muitos vínculos intercambiais entre as mesmas, principalmente no que se refere ao contato humano. (Veja o quadro ao lado). É dentro desta perspectiva que será traçado o plano de reestruturação das FFAA. Quem viver, verá...
O Senador Aloísio Mercadante (PT) também foi um dos palestrantes e fez uma exposição completa de dados estatísticos econômicos, todos eles extremamente otimistas. Eu achei que estivesse ouvindo uma explanação sobre os dados da Suíça, ou de qualquer país de primeiro mundo. E, pela reação da platéia, eu não era a única. Mas, a pérola do pronunciamento do senador foi a seguinte: “A CPMF é o único imposto que até sonegador e traficante pagam” e que por isso, naturalmente, seria um imposto de cobrança eficaz e justo porque os mais pobres não pagariam diretamente. Não seria mais interessante, então, transformar o sistema de recolhimento dos outros impostos para os moldes da CPMF, ao invés de perpetuá-la? Outra: veja o quadro ao lado e verifique o tamanho da ilegalidade e do abuso fiscal que representa a CPMF, que é paga sim também pelos pobres, ao contrário do que disse o senador.
Em uma das quatro salas de palestras – que aconteciam simultânea e paralelamente, mais ou menos organizadas por temas e para um menor número de participantes - Márcio Santilli, coordenador do Instituto Socioambiental (ISA) falou sobre “o futuro de uma política indígena”. Para quem não sabe, Márcio Santilli é irmão de Paulo Santilli, o antropólogo que participou do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol em terras contínuas. Primeiro, Márcio disse que as terras indígenas não eram desproporcionalmente grandes para o número de índios que as ocupam, defendendo essa opinião com um discurso “numérico-relativista”. Entretanto, também defendeu a possibilidade de os índios travarem relações comerciais independentes com quem bem entenderem e de desfrutarem de todo e qualquer bem e serviço oriundo da “civilização ocidental”. Santilli, inclusive, defende que os índios façam parte das FFAA, como recrutas e como militares de carreira, e que defendam as fronteiras do Brasil, nas regiões onde estas estejam dentro das áreas de reserva indígena. Ora, ou bem o Sr. Márcio Santilli defende que as reservas indígenas são necessárias para que os índios preservem seu “modos vivendi”; ou bem ele defende que os mesmos possam vir a ser, inclusive, soldados ou militares de carreira. É uma questão de lógica: se o índio não vive como índio, por que é que precisa de terras para viver como índio?
Para fechar com chave de ouro, estiveram presentes ao evento, como conferencistas, o secretário geral das relações exteriores, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Vamos resumir: o embaixador fecha com Mangabeira Unger. Jobim, é claro, também – mas sabe ser incrivelmente mais sutil. Ele é daqueles que assume uma postura tão seguramente incisiva quanto à certeza do que está dizendo, que, mesmo que se trate de um absurdo, pouca gente tem coragem de contestar – sem falar nos que acreditam no que está sendo dito, sem titubear.
Tem gente que diz que Nelson Jobim é o primeiro civil ministro da defesa de verdade. Eu não tenho a menor dúvida em relação a isso, mas não necessariamente pelos mesmos motivos. Se a gente parar para analisar, o que vem a ser um ministro da defesa? Ora, em relação às FFAA, é a pessoa que coloca a marca do governo na atuação e na administração das mesmas; é quem faz a ponte entre os dois. Por isso, o ministro da defesa serve ao governo e as FFAA servem ao Estado brasileiro – embora ambos tenham compromissos legais um para com o outro.
Essa mínima noção a respeito das atribuições de cada ator dentro deste cenário já é razão suficiente para que se entenda que qualquer mudança na estrutura, na formação e até mesmo na função das FFAA deva partir de dentro das mesmas (que lidam diariamente com o exercício ficcional da guerra), chegando ao presidente e ao congresso por meio de proposta a ser analisada, e não o contrário, como se está vendo agora, quando se coloca como condição primeira, para satisfazer as evidentes carências da Força, uma “discussão que envolva toda a sociedade civil” (sic) – discussão esta que, percebe-se claramente, visa dar legitimidade a mudanças na estrutura e nas atribuições das FFAA que já estão preestabelecidas, desde o estrangeiro. É muito fácil identificar esse caráter legitimador “engana trouxa” por causa do mal disfarçado afinamento entre os discursos a respeito desse tema proferidos pelas “autoridades” governamentais – que batem unânime e repetidamente na tecla da “cooperação entre as Forças Armadas dos países sul-americanos e na necessidade “inquestionável” de “reformular” nossas FFAA.
Os três dias em que fiquei o mais perto que jamais cheguei do Poder terminaram mesmo em lágrimas. Foi realmente desanimador entrar e sair de palestras nas quais se ouvia, reiteradamente, que os EUA são os responsáveis pela nossa condição de país subdesenvolvido e, de quebra, por todas as desgraças da humanidade (quando se sabe que se não fosse a presença daquele estado-nação no mundo, há muito a desgraça comunista já teria dominado todos os povos). Foi triste ter que ouvir, em várias ocasiões, que as relações diplomáticas e comerciais do Brasil com outros países independe do que quer esteja acontecendo com as populações que neles habitem. Foi triste ver tanta gente engolindo discurso evidentemente pró-comunista, pelas veias nacionalisteiras
Seremos todos vítimas do maquiavelismo de um bando de comunisto-globalistasas e da cegueira de uma multidão de nacionalisteiros xenófobos que nem ao menos se dão ao trabalho de estudar o que o passado histórico das revoluções comunistas e do fascismo podem ensinar sobre a apropriação do discurso nacionalista por parte dos comunistas e dos fascistas, como uma das importantes etapas para a consolidação tanto do comunismo como do fascismo – etapa esta que, vencida, reserva aos nacionalisteiros o paredão e aos povos a escravidão.
Rebecca Santoro
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