Por Christina Fontenelle
03/02/2008
O Ministro da Defesa Nelson Jobim, “O Idiota”, como é chamado unanimemente pelos freqüentadores dos aeroportos brasileiros, sejam eles passageiros, tripulantes ou funcionários, vem declarando publicamente, já há algum tempo, com aquele tom de voz e com aquela postura imponentes de sempre, que não há mais caos aéreo no Brasil. Entenda-se: para o ministro, falar grosso e ser fisicamente agigantado são requisitos suficientes para resolver todos os problemas que apareçam pela frente e que estejam sob a responsabilidade do MD, inclusive, tirar e colocar de cargos de importância estratégica para o país quem quer que seja, sem que logo surjam os conseqüentes prejuízos dessas ações para todos os brasileiros.
Depois de arbitrar, por exemplo, algum tempo depois do último acidente aéreo grave com um avião da TAM em Congonhas, no qual morreram 187 pessoas, que naquele aeroporto não haveria mais pousos e decolagens de aeronaves de médio e de grande porte com conexões e com escalas, agora, no último dia 28 – apenas seis meses depois – o senhor “entendo de tudo e calem a boca” anunciou a ressurreição do pesadelo. "Mas a segurança do aeroporto continua intocável", disse o ministro, apesar de toda a nação saber que a pista de escape elaborada com concreto poroso – recomendação tácita, tanto antes como depois do acidente – jamais tenha começado a ser construída em Congonhas.
Vou relatar apenas um dos mais diversos tipos de aflição que têm acometido milhares de passageiros, país a fora, diariamente, só para vocês saberem o que é que o nosso (nosso não, deles) ministro da defesa classifica como fim do caos aéreo.
RIO DE JANEIRO
No dia 25 de janeiro deste ano que se inicia, meus três filhos – uma menina de 15, um menino de 14 e outro de 10 anos – acordavam, na casa dos avós, no Rio de Janeiro, por volta das 7 horas, para, logo depois do desjejum, seguirem de carro, com os avós, para o Aeroporto Internacional Tom Jobim (aquele que todo mundo chama, inclusive por escrito, de Galeão). Eles deveriam se apresentar para fazer o Check-In por volta das 10h, para embarcarem no vôo 1900 da GOL, com destino à Brasília (DF) e com decolagem marcada para as 11h.
Feito o Check-In e despachadas as bagagens, os três menores foram entregues, no portão que vai para a área de espera para embarque – e pelo qual nem mesmo o Papa pode passar se não for embarcar em um vôo qualquer -, a uma funcionária da GOL que, especialmente no caso de crianças com menos de 12 anos que viajam desacompanhadas, deve ficar permanentemente responsável por elas até que sejam devidamente entregues à responsabilidade da tripulação da aeronave em que viajarão. Maiores de 12 anos não precisam de um funcionário-acompanhante permanentemente a seu lado, embora, naturalmente, devam ser bem orientados e, assim como idosos e como deficientes, devem ter prioridade para embarcar.
Por volta das 12h:45m, todos os passageiros do vôo 1900 deixaram a sala de embarque e foram conduzidos ao ônibus que os levaria até à aeronave. Chegando lá, o veículo ficou um bom tempo parado, em frente ao avião – sob aquela “agradável” temperatura do verão carioca – e, sem maiores satisfações por parte dos funcionários da companhia aérea, retornou com os passageiros para a área de embarque, onde foram todos “acomodados” (não menos de 100 pessoas, é claro) numa pequena sala, sem ar condicionado e com APENAS 9 ASSENTOS instalados!
Água? Café? Lanche para os idosos e para as crianças? É claro que NÃO! Onde é que essa gente-carga-pagante (que é como a GOL trata seus passageiros) pensa que está? Na Disneylândia?
Depois de desfrutarem do “conforto” das acomodações da saleta acima descrita, por cerca de uma hora, os passageiros foram novamente colocados na condução e, desta vez, chegaram a embarcar na aeronave. Todos acomodados. O avião levantou vôo? Não. Os passageiros foram informados de que deveriam deixar a aeronave e retornar à sala de espera de embarque, pela segunda vez, “por causa de problemas com o ar condicionado”. Tumulto, gritaria, xingamentos (Jobim não foi esquecido) e rebelião dos passageiros para não terem que sair da aeronave. Mas, não houve jeito – todo mundo teve mesmo que voltar para a “confortável” saleta de embarque.
BRASÍLIA
Até então, quem estava, em Brasília, à espera da chegada do vôo 1900 vindo do Rio de Janeiro, tanto para reencontrar seus parentes e amigos como para pegar o mesmo vôo (que passa a se chamar, quando chega e sai de Brasília, de vôo 1901) com destino à outra cidade, só sabia que o vôo estava atrasado “por motivo de excesso de trânsito de aeronaves para decolar lá do Galeão".
RIO DE JANEIRO
Quando voltaram à sala de espera de embarque, vários passageiros que tinham problemas de horário para chegar ao aeroporto de Brasília, por causa das conexões que deveriam fazer e que haviam sido programadas, na hora da venda de passagens, justamente pela própria GOL, foram separados dos outros passageiros do vôo 1900 e conduzidos para embarque em outra aeronave.
Foi exatamente nesta hora - em que todo mundo teve que deixar a aeronave e quando alguns passageiros foram separados - que minha filha me ligou, lá do Galeão – já aos prantos – dizendo que ela, os irmãos e todos os outros menores haviam sido literalmente abandonados pela acompanhante de menores (que havia ido conduzir os passageiros que fariam conexões em Brasília, como já descrevi acima). Minha filha dizia que todos estavam exaustos, com muito calor e sem se alimentar - àquela hora, havia mais de 4 horas. Já passava das 14h. Preocupação da GOL com os passageiros e especialmente com os idosos e com os menores? Nenhuma!
BRASÍLIA
Por aqui, imediatamente após ter recebido o telefonema, dirigi-me ao aeroporto JK e, lá chegando, fui direto para a sala da ANAC, onde já encontrei algumas pessoas pedindo informações e registrando queixas contra a GOL sobre o tal do vôo 1900. Identifiquei-me como jornalista e que ali estava para saber exatamente onde estavam meus filhos, em que vôo e em que hora eles finalmente seriam embarcados e, principalmente, o porquê de eles terem sido completamente abandonados pela acompanhante de menores da GOL no aeroporto do Rio de Janeiro.
Silêncio total na sala... Todo mundo com cara de quem “não acredito!”. O senhor Luiz Gustavo, funcionário de carreira da ANAC – há 20 anos na agência, muito educado e tentando defender os passageiros, não cansava de repetir que aqueles problemas específicos deveriam ser resolvidos entre estes e a companhia aérea, mais precisamente no Juizado de Pequenas Causas – ali mesmo no aeroporto. Mesmo assim, ele já havia requisitado a presença de responsáveis da GOL na sala da ANAC, mais de uma vez, e não havia obtido sucesso. Entretanto, depois da descrição do meu problema, ele deixou a sala – porém, sem dizer o motivo a ninguém.
Achando que ali na ANAC eu não conseguiria resolver e nem saber de nada, parti para o Juizado. Lá chegando, uma funcionária veio logo saber qual era o meu problema e, muito preocupada com o meu já adiantado estado de nervosismo, me ofereceu assento e um copo de água. Descrito o meu caso, a funcionária disse que naquele juizado não se resolvia problemas que envolvessem menores. Além disso, como por lá também já havia outras pessoas tentando resolver problemas em relação ao vôo
Bem, no meu estado já descontrolado, se Maomé não iria à montanha, definitivamente, e em tempo recorde, a montanha viria a prostrar-se sob seus pés. Saí do Juizado, subi aos balcões de Check-In da GOL e solicitei a um funcionário que chamasse quem quer que estivesse respondendo pela companhia naquele momento. Expliquei rapidamente o meu problema e ele foi lá dentro, presumia eu, chamar algum responsável. Pois, alguns minutos depois, voltava o funcionariozinho, com a cara mais tranqüila do mundo, dizendo que o vôo estava “apenas” atrasado, mas que certamente chegaria à Brasília – a hora da chegada é que estava difícil de prever.
“Você não entendeu a língua em que eu lhe pedi para trazer o responsável pela GOL ou está com problema de audição?”, perguntei eu. “Vou repetir: Eu quero falar com o responsável pela GOL, agora!” Disse isso, aos berros, e fui atravessando o galpão, as esteiras que rolam as malas, até começar a abrir as portas que levam aos escritórios das companhias aéreas. Um funcionário tentava me segurar, mas, eu continuava aos berros dizendo que queria saber dos meus filhos e do porquê de eles terem sido abandonados pelos responsáveis da GOL no aeroporto do Rio de Janeiro, além de terem sido obrigados a embarcar numa aeronave que já havia deixado de levantar vôo duas vezes por causa de problemas técnicos – “Por que não trocaram as pessoas de avião? Que problema era aquele?” – Isso tudo, aos berros, para que todos pudessem saber o que a GOL estava fazendo comigo e com meus filhos.
O aeroporto inteiro de Brasília ouvia meus gritos e via meu desespero. Desta forma, acharam mais conveniente conduzir-me para dentro das salas onde ficam os escritórios das companhias. Detalhe: quem me atendeu e me levou para encontrar com uma, suponho eu, supervisora da GOL, foi um funcionário da Ocean Air, cuja porta de acesso ao escritório fica ao lado da porta da GOL. A esta altura, até o funcionário da ANAC que havia deixado a sala da agência sem dar satisfações, já estava lá atrás também, indo ao meu encontro, com uma lista dos menores que iriam embarcar no vôo 1900 (fora para isso que ele havia deixado sua sala, agora ficava eu sabendo).
Bem, “apareceu a margarida” – pelo menos, “uma margarida”: a funcionária da GOL de nome Paula Cunha. Muito calma e educadamente, ela esclareceu que o “probleminha” que havia ocorrido na aeronave do vôo 1900 era apenas numa das turbinas (por duas vezes, como já disse, o piloto já havia deixado de decolar pelo mesmo motivo). Ora, então, naturalmente para a dona Paula, havia motivo suficiente para que eu ficasse mais “tranqüila” ainda, pois, o problema, como haviam dito aos passageiros lá no Rio de Janeiro, não era no sistema de ar condicionado, mas APENAS na turbina – E HAVIA OCORRIDO POR DUAS VEZES!!!
A senhora Paula tentava dar-me umas aulinhas de aviação sobre problemas com turbinas, mas eu não pude continuar ouvindo coisas que, afinal, para quem já tem investigado os dois últimos maiores acidentes aéreos ocorridos no Brasil, o discurso da moça era patético. Eu, pela enésima vez, esclareci que queria saber onde estavam meus filhos, com quem eles estavam e porque todos os passageiros não haviam sido remanejados para outra aeronave, presumivelmente, sem defeito. Queria um documento, uma declaração por escrito da GOL. Porém, vendo que dali não sairia nada, desci outra vez para a sala da ANAC, onde registrei a ocorrência.
RIO DE JANEIRO
Novamente na sala de espera, colocaram menores e idosos já do outro lado do vidro que divide estas salas do corredor de embarque, separando-os do resto dos outros passageiros. Meus três filhos ficaram esquecidos junto com estes passageiros e tiveram que berrar e espancar a porta de vidro até que algum funcionário da GOL viesse abrir a porta para colocá-los junto com os outros menores, do outro lado do vidro. A esta altura, estavam havia cerca de 5 horas sem comer absolutamente nada - pelo menos que lhes tivesse sido providenciado pela GOL. Nessa hora, apareceu uma outra funcionária da companhia que, surpresa ao saber que os menores estavam desacompanhados e desorientados, resolveu ficar ali até que os mesmos fossem embarcados no ônibus.
Junto com os menores havia uma senhora que deveria ter uns noventa e poucos anos, bem franzina, e que já não agüentava mais ficar de pé e nem andar. Os menores e a senhora cansaram de pedir uma cadeira de rodas, mas, os funcionários da GOL diziam que não havia nenhuma disponível. Quem conduzia e auxiliava a senhora nas idas e vindas? Algum funcionário da GOL? Não. Quem fez isso foi um menor de 15 anos com físico mais avantajado. Um absurdo? Absurdo maior foi constatar, ao descerem para embarcar no ônibus que levaria os passageiros para aeronave, já pela terceira vez (e desta vez a última), que havia uma linda, perfeita, isolada e desocupada cadeira de rodas no andar de baixo. Porém, já de nada adiantaria pegá-la, pois não seria usada no ônibus e nem no avião.
Finalmente dentro da aeronave, todos acomodados, esta levantou vôo, por volta das 15h:30m - quatro horas e 30 minutos após a hora marcada para a decolagem, que deveria ter ocorrido às 11h. Atraso de mais de 4 horas não pune a companhia com multa e não dá direito aos passageiros de receber o dinheiro da passagem de volta? Vou consultar o código, mas tenho a impressão de que sim.
BRASÍLIA
Por volta das 16h:20m, os passageiros que haviam embarcado em outra aeronave para não perderem suas conexões em Brasília, finalmente pousaram na Capital. De repente, nova invasão na ANAC. Por quê? Simplesmente porque a GOL havia dado ordens expressas para que os aviões nos quais os ex-passageiros do vôo 1900 fariam suas conexões levantassem vôo sem esperar que os mesmos chagassem à Brasília. Houve casos em que a diferença entre a chegada dos passageiros e a partida do avião em que fariam conexão foi de apenas 10 minutos. Todos revoltados - e com razão. Foram tratados como lixo!
Uma destas passageiras viajava para ver o pai que estava em estado grave numa UTI, em Corumbá (Mato Grosso). Indignada, ela teria que ficar por pelo menos mais 7 horas no aeroporto de Brasília para que conseguisse, finalmente, pegar outro vôo para aquela cidade – tudo por conta “do bolso” dela, é claro, e inclusive sem que lhe fosse dada a menor atenção diante de sua angústia e de seu sofrimento. Foi por esta mulher que, dando a descrição de meus filhos, fiquei sabendo que haviam realmente embarcado no vôo 1900 e que, no painel da área de desembarque doméstico, o horário previsto para a chegada do vôo mostrava 16h:50m.
Revoltada, porém mais tranqüila em relação ao meu problema, enfim, dirigi-me para o portão de desembarque doméstico e, freqüentemente, olhava o relógio e a situação do vôo. Para ver se o tempo passava mais rápido, fui tomar um café e, quando voltei ao portão, adivinhem o que estava escrito ao lado do vôo 1900? “Procurar a Companhia Aérea”. Isso mesmo: aquela mensagem que apareceu no painel de desembarque dos aeroportos onde eram esperados os vôo da GOL e da TAM que se acidentaram em 2006 e em 2007, respectivamente, dos quais, infelizmente, jamais desembarcou nenhuma das pessoas que dentro daquelas aeronaves estavam.
Eu e mais algumas pessoas, em estado quase que de surto emocional, partimos para o balcão da GOL para saber notícias. Diante daquelas pessoas – todas verdes, azuis, brancas e completamente desesperadas, um funcionário da GOL foi imediatamente buscar esclarecimentos. Voltou rapidamente (embora para nós, que esperávamos notícias, parecesse ter passado horas) e disse que o avião já estava no solo do aeroporto de Brasília e que a demora para o desembarque se devia a problemas de taxiamento. Foi um alívio indescritível. Mas, sossego mesmo, só tive quando vi as carinhas dos meus três amores saindo do portão de desembarque com suas bagagens e seus sorrisos. Passava das 17h. Foram as 6 horas mais longas e angustiantes da minha vida. Deixei pelo menos uns cinco anos de vida naquele aeroporto, em saúde e em aparência.
A Gol Linhas Aéreas, que complementa seu nome se autoproclamando “Inteligentes”, deveria ser judicialmente obrigada a trocar este complemento pela palavra que mais se adequa ao perfil e ao “modus operandi” da companhia, passando a ser nomeada de GOL Linhas Aéreas Espertas. Sim, porque tratar passageiros como carga-animada (desprovida de fome, de sede, de necessidade de conforto e de respeito), que, bem ao contrário do que a companhia anuncia como sendo seu carro-chefe de concepção de administração, cobra passagens absurdamente caras pelos péssimos serviços que presta. Não se trata de inteligência, num país como o nosso, onde não existem empresas aéreas concorrentes que ofereçam outros tipos de serviço, ainda que mais caros fossem, administrar uma companhia aérea de baixo-custo como o faz a GOL.
No Brasil, o tipo de negócio bi-monopolizado e cartelizado que fazem a GOL e a TAM é o da esperteza, do tipo daquele que faz quem quer levar vantagem em tudo e do tipo daqueles que fazem o que querem com o consumidor, por saber de sua impotência diante de um Estado Neo-Comunista que finge funcionar numa democracia e num capitalismo de mercado livre.
Conduzem passageiros em aeronaves extremamente desconfortáveis, classificando amendoim e refrigerante como serviço de bordo; excedem o mínimo nível de tolerância que se poderia esperar de uma companhia aérea quanto ao extravio de bagagens; carregam cargas desacompanhadas em aviões que deveriam transportar exclusivamente passageiros e seus pertences, e finalmente preferem ser processadas por erros e abusos do que melhorar seus serviços – porque assim fica mais barato. Pelo que são submetidos os passageiros que viajam por estas companhias, “cenzinho” (R$ 100,00), ida e volta, para e de qualquer lugar, ainda estaria meio caro.
Mas o Jobim já discursou sobre todas as resoluções. Para ele, isso já foi mais do que suficiente para por um fim na crise aérea – que, para ele, não existe mais.
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