Por Rebecca Santoro
27 DE JUNHO 2008
Esta semana, uma reportagem do jornal Estado de SP revelava surpresa de policiais que investigam o caso e dos próprios repórteres, diante da situação de pobreza em que vivia o Tenente Vinícius Ghidetti Moraes de Andrade, de 25 anos, acusado de comandar grupo de 11 militares que entregaram três indivíduos suspeitos de envolvimento com o tráfico do Morro da Providência para traficantes rivais do Morro da Mineira, onde foram assassinados (clique na figura ao lado e leia reportagem).
Na verdade, o subtítulo da matéria do Estadão revela um certo cinismo. Não acredito
Talvez seja compreensível achar que um salário de R$ 4 mil seja razoável para viver fora das condições de pobreza, para alguém que já tenha casa própria em lugar decente e carro, principalmente levando-se em conta os padrões brasileiros. Mas, para uma pessoa que não tem nada e percebe somente esse montante, por mês, para construir uma vida e de sua família, isso é muito pouco para os custos de quem vive nas grandes cidades do Brasil e que não recebe NADA do governo em troca dos impostos que paga. Basta fazer uma conta simples: somem-se as prestações do carro e da casa própria (isso se houver a sorte de se poder morar no imóvel que está sendo financiado), os custos de plano de saúde (que são de desconto obrigatório no caso dos militares), mais despesas com comida, vestuário, transporte e os descontos de imposto de renda e chega-se à brilhante conclusão de que o salário é insuficiente – ponto final.
Tem sempre os engraçadinhos que vêm com a observação de que as esposas dos militares deveriam (ou teriam que) trabalhar para aumentar a renda da família. Acontece que não é fácil, num país como o Brasil, arranjar emprego diferente, de dois em dois anos, mais ou menos (períodos entre transferências de sede). A não ser que se queira que militares somente se casem com pessoas que não tenham profissão definida e muito menos aspiração a uma carreira. Ou seja, em cada lugar, poderiam trabalhar na venda da esquina ganhando salário mínimo. Isso sem falar no preconceito, justíssimo, por parte de empregadores, que não dão emprego a esposas de militar por saberem que seja investimento que irá fatalmente se perder. Geralmente, essas mulheres costumam procurar se estabelecer profissionalmente, mais tarde, quando a carreira do marido já está na fase final – o que para a maioria dos oficiais acontece quando se chega ao posto de coronel e ao equivalente a este posto na Marinha e na Aeronáutica.
Então, qual a surpresa dos policiais e dos repórteres com a pobreza em que vivia o tenente Vinícius Ghidetti Moraes de Andrade, como disseram, ‘para quem ganhava cerca de R$ 4 mil’?
O tenente, aliás, é dos que não tinham nada, tem origens pobres, como revela a reportagem do Estadão, nascido em família que mora em região paupérrima e sujeita a constantes alagamentos no Espírito Santo. A carreira militar, provavelmente, pudesse representar para ele uma chance de ascensão sócio-econômica e de estabilidade. Seus horizontes, é claro, não poderiam ser os mesmos daqueles que vislumbram os jovens mais bem formados e preparados da sociedade brasileira. E não poderia ser de outro jeito mesmo, diante das perspectivas que a carreira de Oficial das FFAA brasileiras vem oferecendo nos últimos anos – daqui a 15 anos, mais ou menos, o tenente estaria ganhando em torno de R$ 5 mil líquidos e trabalhando com equipamentos velhos!
Qual a surpresa? Milhares de oficiais das FFAA espalhados pelo Brasil são vizinhos, sim, de traficantes. Essa é a realidade dos homens a quem se entrega a defesa do país, por obra, graça e ação criminosa dos governantes que têm passado pelo Palácio do Planalto nos últimos 20 anos.
Governantes que são capazes de atitudes de estarrecedor cinismo como a que se viu do presidente Lula da Silva ao dizer que ‘considerava injustificável a presença de homens do Exército em uma obra terceirizada’, para os parentes dos três suspeitos de ligação com o tráfico de drogas da Providência que foram assassinados. Logo ele, o presidente, que foi quem autorizou que os ministérios das Cidades e da Defesa entrassem em acordo para a realização do projeto apresentado pelo senador Marcelo Crivela, o que incluía, sabidamente, a utilização de militares das FFAA para dar proteção aos operários que trabalhassem nas reformas dos barracos do morro da Providência.
Pois é, o rapaz passou a vida longe da casa dos pais para poder estudar. Cresceu e conseguiu entrar para a AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras). Deu um duro danado para se formar. Casou, teve um filho e foi morar nos fundos da casa do sogro, numa cabeça de porco (cortiço) em Inhaúma (RJ), entre as favelas de Águia de Ouro e Fazendinha. Para os vizinhos, Vinícius era um rapaz reservado, educado e trabalhador.
O que será que aqueles três indivíduos que foram detidos e levados para um morro onde agiam traficantes rivais teriam dito para o tenente que o teria feito perder a cabeça daquele jeito, a ponto de conduzir uma ação daquelas, na frente de todo mundo, sem se preocupar com testemunhas e nem com as conseqüências, tanto para os indivíduos que estavam sendo levados para o morro rival quanto para sua própria vida? Talvez ele possa mesmo estar dizendo a verdade quando depôs dizendo que não imaginava que o ‘corretivo’ fosse ser o assassinato dos três rapazes - tamanho o descuidado com as testemunhas de seu ato. O fato é que nada disso teria acontecido se os militares não tivessem sido expostos àquela situação.
Em sua coluna do Globo de 25/06, Mirian Leitão cita os relatos de dois repórteres do jornal carioca EXTRA que foram para o Haiti para entender o trabalho dos militares brasileiros por lá e que iniciaram a série de reportagens “Exército odiado na Providência; Exército amado no Haiti”. Entre as comparações: “Lá, as crianças lançando para os militares brasileiros sorrisos confiantes; aqui, a população de uma favela protestando agressiva na frente do prédio do Comando Militar. É o mesmo Exército! O que foi que aconteceu?”.
É no mínimo curioso que jornalistas façam esta questão.
Primeiro, porque todo jornalista que se preze sabe que é óbvia a ligação dos que protestam com o comando do tráfico da região. Imagine se o povo daquela comunidade pode ir pra frente do QG pedindo pelo amor de Deus pra que todos os bandidos sejam despejados do morro pelo Exército!
Segundo, porque o fazem como se não tivessem absolutamente nada a ver com a imagem que não só o Exército, mas as FFAA, tem no Brasil. E não estou aqui a falar de fatos ocorridos nos últimos 20 anos que realmente tivessem contribuído para denegrir a imagem da Força e que não pudessem, é claro, deixar de ser abordados. Estou falando da incessante e intermitente campanha empreendida pelos meios de comunicação para resumir tudo o que as Forças Armadas fizeram pelo Brasil, principalmente depois do contragolpe de 1964 (que a mídia insiste em chamar de golpe), à repressão e à perseguição políticas associadas a torturas e mortes. Coisa absolutamente infiel à realidade, se levarmos em consideração à imensa maioria de brasileiros que foram beneficiados com o período de prosperidade econômica e de desenvolvimento pelo qual atravessou o país (com índices jamais comparáveis até os dias de hoje) em detrimento dos ‘perseguidos’, entre os quais havia muitos que lutavam para implantar a ditadura comunista no Brasil, praticando atos terroristas, e ainda muitos outros que conseguiram fama e fortuna justamente por ‘combater’ o regime militar intelectual e culturalmente.
Ou seja, no que se divulga pela mídia sobre os governos militares, resume-se o período em repressão, tortura e mortes e ignora-se solenemente a infinidade de benefícios que estes governos trouxeram ao país. Não é por outra razão que as FFAA, até hoje, contam com a confiança da população – pelo que sempre fizeram e não pelo que a mídia diz que ela teria feito, por exemplo, com pessoas famosas, muitas das quais, hoje se sabe, ganhando fortunas dos cofres públicos e outras ainda, no poder, roubando descaradamente a nação, que está repleta de desorganização, de violência, de desemprego, de ódio entre classes, de subdesenvolvimento e de abandono.
Além da contribuição da mídia, há também os movimentos ‘ongueiros’ que atuam nas comunidades carentes fazendo o chamado ‘trabalho social’ que, na maioria dos casos, talvez não passe de um sorvedor de dinheiro, inclusive público, e de cabide de emprego para um sem fim de apadrinhados que só fazem acirrar os conflitos sociais, além de perpetuá-los sob o discurso de estarem trabalhando para eliminá-los. Há, sem dúvida, honrosas exceções, mas que são uma minoria, visto que se este tipo de trabalho fosse solução de fato para o problema da pobreza, e de tudo que a cerca, no país, pela própria quantidade de ONGs que atuam nestas comunidades, todos os problemas já estariam resolvidos. O que resolve problema de pobreza é oportunidade de estudo e de trabalho, garantia de segurança e de saúde e boas perspectivas de melhoria de vida por mérito pessoal. O resto é conversa pra boi dormir e pra esperto enriquecer.
Não entendo a surpresa ‘o que será que mudou?’ entre os militares que estão Haiti e os que estão por aqui.
Os militares que estão no Haiti são mais bem remunerados do que os que estão aqui. Aliás, para muitos deles, estar no Haiti significa a única, repito: a única, possibilidade de sonhar com a casa própria, ou com um futuro melhor para os filhos, ou com um carro, por exemplo. Lá, eles também têm residência distante dos locais em que vão combater o crime organizado, além de não terem que se preocupar com retaliações a seus familiares. E, é óbvio que as crianças e toda a comunidade que não faz parte das gangues de criminosos só vê motivos para idolatrar aqueles homens que estão lá para protegê-los, para colocar um fim na criminalidade e quem sabe trazer a esperança de um futuro digno. Sem falar, é claro, no bombardeio de informações midiáticas anti-militaristas do qual eles não foram vítimas nos últimos 20 anos.
As diferenças de condições para a atuação de militares das FFAA no combate ao crime organizado urbano lá no Haiti e aqui no Brasil são tão gritantes que o que surpreende não é o sucesso de lá e um fracasso daqui, mas sim o fato de haver gente que se diz bem informada supostamente espantada com essa realidade.
Quem defende o emprego das FFAA no combate ao crime organizado sob a coordenação de um governo civil mais do que provadamente revanchista, fora a atuação de outras autoridades e instituições que se dizem independentes e que são igualmente revanchistas, só pode estar interessado no fracasso retumbante de uma operação dessa envergadura, que, é óbvio, teria que envolver uma série de outras medidas conjuntas necessárias e que teriam que estar coordenadas sob um único comando e que JAMAIS, eu digo sem medo de errar, seria permitido por nenhum governante civil que esteja dentro do Palácio, hoje, ou que esteja entre os possíveis candidatos a adentrá-lo. Hoje não existe um só possível candidato à Presidência que tivesse honestidade de princípios, coragem e patriotismo suficientes para assumir uma missão destas e que sabidamente teria que contar com comando militar atuante. Não vou entrar em detalhes, mas quem entende do assunto sabe exatamente do que eu estou falando – e que não se trata de meia dúzia de regrinhas legislativas que impedissem militares de serem processados ou de cometerem excessos não.
Só para dar uma idéia remota, a ação militar teria que ser abrangente e atuante, e os militares envolvidos, por exemplo, teriam que ter poder de polícia, com autoridade para prender e levar os criminosos para serem julgados em tribunais especializados, criados especialmente para este fim, de forma que os processos fossem rápidos e promovessem penas de exceção, como prisão perpétua e de trabalhos, que tivessem renda revertida para as comunidades carentes as quais estes criminosos tivessem escravizado, por exemplo. As populações das comunidades carentes seriam consideradas reféns dos criminosos no planejamento das ações de ataque, de modo que táticas de resgate teriam que se associar às de combate à guerrilha. Segundo esse mesmo raciocínio, já no início da ação, seriam cortados todos os tipos de serviços prestados a estas comunidades, principalmente luz, gás, telefone e água. Durante o período de combate armado, toque de recolher e paralisação das atividades rotineiras da cidade, onde somente os serviços de exceção e emergência continuariam funcionando. A ação contaria com o apoio de hospitais de campanha instalados em diversos pontos da cidade, bem como postos de distribuição de drogas aos viciados, que seriam cadastrados e encaminhados a clínicas e instalações de tratamento. Em seguida, entrariam em execução os planos de recuperação e reintegração. As comunidades teriam seus lares e sua dignidade de volta, assim como também os outros setores da sociedade. Uma sociedade que vive sem medo produz e cria melhor. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, poderia ser o maior pólo turístico do mundo. Shows, praias, restaurantes, passeios públicos, emprego, trabalho – a economia tomaria novo fôlego.
Numa batalha como essa, com um fim definido, não poderia haver, de cinco em cinco minutos, um grupo de ONGs, de comissões e de advogados entrando com ações disso e daquilo, pedindo isso, impetrando aquilo. Seria preciso, também, encarar o fato de que injustiças poderiam ser cometidas, pessoas inocentes poderiam vir a sofrer até a morte, principalmente porque o crime as utiliza como escudo. Ou seja, precisaríamos todos, governo e sociedade, estarmos cientes dos riscos, trabalhando o máximo para que fossem evitados, mas verdadeiramente empenhados em assumir uma posição firme na completa reversão deste quadro de crime e de Estado paralelo atuante e forte na nossa vida cotidiana.
Voltando à coluna de Miriam Leitão, ela se mostra surpresa ao dizer que ‘o que choca aqui é a rapidez com que se formou a aliança entre o crime e soldados do Exército. O que dói é a morte de três jovens...’ Como assim, ‘o que choca’? Até mesmo no caso das armas roubadas de um quartel do Exército, há dois anos, se não me engano, em que tropas foram deslocadas para procurar as armas em favelas do RJ, sabe-se muito bem que houve participação de militares no roubo. Sabe-se que as FFAA sempre tiveram que lidar com criminalidade provocada por motivos ideológicos ou não (quem não lembra do roubo de armas de Lamarca?), fato agora piorado pelas péssimas condições salariais e de trabalho em que se encontram os militares? Da onde essa gente pensa que saem as pessoas que se alistam nos quadros militares? De Marte? Não. As pessoas que entram para as FFAA são o reflexo mais abrangente e democrático daquilo que existe na nossa sociedade como um todo. Por que a surpresa? Ou será que a colunista pensa também que só existem jornalistas bons, honestos ou não viciados em drogas?
Mas, agora, o foco vai ficar no tenente, no processo e o pessoal do morro da Providência, aos poucos vai ficar esquecido, na medida em que tudo volta ao que se chama de normal naquela comunidade.
Depois de a Justiça Eleitoral do Rio ter embargado as obras do projeto Cimento Social e um dia após o Exército ter deixado a Providência, os traficantes voltaram a marcar seu território, fazendo pichações nas casas recém-reformadas pelo projeto com inscrições das iniciais da facção criminosa a que pertencem. Mais pra dentro do morro, eles andavam armados pelas vielas, à vista de todos os moradores. Pronto! Agora está todo mundo satisfeito! Talvez menos alguns operários que trabalhavam nas obras e que fizeram até manifestação dizendo: ‘queremos trabalhar’; menos também alguns moradores que, anonimamente, em algumas entrevistas, se atreviam a dizer que achavam que o Exército deveria ficar sempre no morro; menos também o pessoal que teria suas casas reformadas; menos também os cidadãos que gostariam de viver em área segura e com dignidade, longe das garras do tráfico e das de milícias. Mas, essa gente não interessa a Ongs, ao pessoal dos direitos humanos, a mídia. Eles que se danem.
Que se dane também a morte do capitão do 4º Batalhão de Aviação do Exército, Marco Aurélio da Silva Martins, que faleceu no último dia 23, quando o helicóptero em que viajava caiu, durante uma tentativa de pouso forçado na região de Tefé (AM). É que ele não estava fazendo nada de errado e isso não é notícia que se preze. Ele e outros quatro militares, que sobreviveram ao acidente, estavam, desde o dia 19 de abril, cumprindo missão de apoio às ações de saúde da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), na região do Vale do Javari, no meio da selva amazônica, onde vivem aproximadamente 3,7 mil indígenas. E que se dane porque o negócio é falar do tenente que teria agido mal na Providência e ignorar solenemente outros militares que arriscam a vida para salvar a de outros seus compatriotas. E que se dane porque não convém noticiar com alarde que o EB ajude índios, mas sim que queira ‘invadir’ a privacidade e as terras ‘sagradas’ dos silvícolas em nome da integridade nacional – o que, aliás e inclusive, deve ser ridicularizado.
Se a gente parar para pensar, a única surpresa nesse caso do tenente do EB é a surpreendente quantidade de pessoas que se dizem surpreendidas e por surpresas, senão cínicas, bastante previsíveis. O que ele fez foi horrível mesmo. Pelo menos está preso. E o pessoal que matou os três rapazes, hein?!
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